Uma realidade interna da depressão

A ausência de motivação ou desejo é um dos fatores mais evidentes na depressão, pois anestesia a iniciativa e põe à prova a vontade. A pessoa com depressão sente-se sem forças e por isso tenta economizá-las ao máximo. 

Segundo a teoria da autodiscrepância de Higgins, o nosso “eu” possui três aspetos: o “eu real”, enquanto representação mental dos atributos que a pessoa acredita possuir, como a inteligência, o talento e aparência física; o “eu ideal”, a representação mental dos atributos que a pessoa deseja ou espera possuir, ou que acredita que os outros acham que ela deveria possuir e o “eu dever”, o que indica como deveríamos ser com base nos costumes e nos papéis sociais que desempenhamos. Sempre que existe uma discrepância entre o eu ideal e o eu real, há uma forte probabilidade da pessoa desenvolver uma depressão. 

Como ocorre esta discrepância nas pessoas com depressão?

Existe o “eu” que nos define, aquele que somos na realidade e no momento presente, mas existe aquele “eu” em que nos poderíamos tornar. E dentro desse campo de possibilidades existiria assim o “eu ideal”.

Você pode estar convicto de que é uma pessoa competente, inteligente e trabalhadora, mas se na vida real essas características não geram os resultados esperados, surge um conflito interno. Neste caso, seria a incompatibilidade entre o eu ideal e o eu real que abriria um caminho para a depressão. A autoestima, que quando fragilizada nos torna mais vulneráveis à depressão e que em sentido contrário está intimamente relacionada com o nosso bem-estar psicológico, tende também a depender desta distância percebida entre os nossos eu real e o ideal. E esta é uma das componentes que mais beneficia do encurtamento desta distância.

A narrativa interna, a forma como nos descrevemos assume um papel importante já que este eu real e ideal se relacionam com base na história que construímos sobre nós mesmos e em como acreditamos que os outros nos percebem. Assim, com base nesta teoria, é provável que, se aparecem sinais de depressão, estejamos em conflito interno, a procurar enfrentar uma discrepância significativa entre estes dois componentes.

Os padrões internos que se constituem fatores de manutenção durante os períodos depressivos levam-nos a acreditar que o nosso eu ideal está muito longe do nosso eu real. Para aproximar essas duas realidades, podemos começar por focar no que poderíamos mudar e nos nossos padrões e diálogos internos.

Talvez não se trate de alcançar a perfeição, mas sim de reconhecer que há um espaço enorme para melhorias e superações. Tratar-se a si mesmo com respeito proporciona-lhe um maior equilíbrio emocional e autoconfiança para estabelecer alguns objetivos enquanto descarta outros.

Um melhor controlo das nossas expetativas e a frustração que pode derivar delas, irá contribuir para sair deste ciclo. Falamos de direcionar as forças que ainda não foram levadas pela depressão para lugares que nos devolvam o controlo e a sensação de bem-estar. Em estados depressivos, mais do que um foco na sintomatologia, deve ser dada uma especial atenção à forma como a pessoa se sente consigo mesma. E esta poderá ser uma das chaves da origem da depressão.

À luz desta teoria, a depressão pode, eventualmente, funcionar como um sinal de alerta para que prestemos atenção às nossas discrepâncias internas e podermos assim ter a oportunidade de reduzir a distância entre elas. A psicoterapia pode ser a ferramenta mais poderosa da qual dispomos para que nos possamos superar o desespero, a tristeza ou da apatia. A psicoterapia é  uma mensagem de esperança para pessoas que vivem com depressão, porque funciona.