Porque traímos? Um olhar sobre a infidelidade

Porque traímos? E porque é que pessoas felizes traem?

Quando falamos em “infidelidade” o que queremos exatamente dizer?

É uma relação sexual, é uma história de amor, sexo pago, uma conversa online?

Porque é que achamos que os homens traem por aborrecimento e medo da intimidade, mas as mulheres traem devido à solidão e desejo de intimidade?

Será uma traição sempre o fim de uma relação?

Há um simples ato de transgressão que consegue destruir a relação, a felicidade e até mesmo a identidade de um casal: um caso extraconjugal. E no entanto, este ato tão comum é muito mal compreendido.

Este artigo é para qualquer pessoa que já tenha amado!

O adultério existe desde que o casamento foi inventado bem como o tabu contra o mesmo. Aliás, a infidelidade tem uma tenacidade que o casamento só pode invejar, a tal ponto que é o único mandamento que aparece repetido duas vezes na bíblia: uma vez pelo ato e outra apenas por pensar nele. Portanto, como é que reconciliamos o que é universalmente proibido e, no entanto, universalmente praticado?

Ao longo da história os homens tiveram praticamente licença para trair, sem grandes consequências, suportada por inúmeras teorias biológicas e evolucionistas que justificavam a sua necessidade de explorar. Esta duplicidade de critérios é tão velha quanto o adultério em si. A monogamia costumava ser estar com uma só pessoa toda a vida. Hoje, monogamia é estar com uma pessoa de cada vez. Nós costumávamos casar e fazer sexo pela primeira vez. Agora casamo-nos e deixamos de ter sexo com outras pessoas. O facto é que a monogamia não tinha nada a ver com amor. Os homens dependiam da fidelidade das mulheres para saber de quem eram os filhos e quem seriam os seus herdeiros quando morressem.  

Eu gosto particularmente desta definição de caso extraconjugal: uma relação secreta que é o núcleo estrutural de um caso; uma ligação emocional em maior ou menor grau; uma alquimia sexual.

Marcel Proust disse é a nossa imaginação que é responsável pelo amor, não a outra pessoa. E esta é uma teoria que nos obriga a refletir. O certo é que nunca foi tão fácil trair e nunca foi tão difícil mantê-lo em segredo. Nunca a infidelidade exerceu um efeito psicológico tão marcante. Quando o casamento era um contrato económico, a infidelidade ameaçava a nossa segurança financeira. Mas agora que o casamento é um acordo romântico, a infidelidade ameaça a nossa segurança emocional. Ironicamente, costumávamos virar-nos para o adultério – esse era o espaço onde procurávamos amor puro. Mas agora que procuramos amor no casamento, o adultério destrói-o.

Penso que, há, atualmente, três formas pelas quais a infidelidade magoa hoje de modo diferente. Temos um ideal romântico, no qual contamos com uma pessoa para preencher uma lista infindável de necessidades: para ser o melhor amante, o melhor amigo, o melhor pai ou mãe, o confidente fiel, o companheiro emocional, o par intelectual. E eu sou isso, sou a escolhida/o, sou única/o, sou indispensável, sou insubstituível, sou a/o tal. A infidelidade aparece e diz-me que afinal não sou. É a derradeira traição. A infidelidade quebra a grande ambição do amor. Mas se ao longo da história a infidelidade sempre foi dolorosa, hoje é, frequentemente, traumática, porque ameaça a nossa própria identidade.

Mas depois temos outro paradoxo com o qual lidamos nos dias de hoje. Devido a este ideal romântico, confiamos na fidelidade do nosso companheiro com um fervor único. No entanto, nunca estivemos mais inclinados para trair, não por termos agora desejos novos, mas por vivermos numa época em que nos sentimos no direito de ir em busca dos nossos desejos, porque esta é a cultura onde eu mereço ser feliz. E se nos costumávamos divorciar porque eramos infelizes, hoje divorciamo-nos porque podíamos ser mais felizes. E se o divórcio estava antes embrenhado de vergonha, hoje a nova vergonha é escolher ficar quando podemos sair.

Então, se nos podemos divorciar, porque é que continuamos a trair? Bem, a suposição comum é que se alguém trai, ou há algo errado com a relação ou há algo de errado com a pessoa. Mas em milhões de pessoas, não podem ser todas elas casos patológicos. A lógica é a seguinte: Se tens tudo o que precisas em casa, então não há necessidade de procurar noutro sítio [assumindo que existe algo como um casamento perfeito para nos inocular contra estas aventuras].

Mas e se a paixão tiver um prazo de validade? E se houver coisas que até uma boa relação não consegue proporcionar? Se até as pessoas felizes traem, de que é que se trata afinal?

A maioria das pessoas que conheço, a nível pessoal, pessoas com quem trabalho, são, normalmente, profundamente monógamas nas suas crenças, pelo menos para o seu parceiro. Mas encontram-se num conflito entre os seus valores e o seu comportamento. São normalmente pessoas que até foram fiéis durante décadas, mas um dia pisam o risco que pensavam nunca vir a pisar, correndo o risco de perder tudo. Mas para vislumbrar o que? Casos extraconjugais são um ato de traição e uma expressão de desejo e perda. No centro de um caso extraconjugal costumamos encontrar um desejo e anseio por uma ligação emocional, por algo novo, liberdade, autonomia, intensidade sexual, um desejo de recapturar partes perdias de nós próprios ou uma tentativa de restabelecer a vitalidade face à perda e tragédia.

Quando procuramos o olhar de outro, não é necessariamente do nosso parceiro que nos estamos a afastar, mas da pessoa na qual nos tornámos. E não é tanto o estarmos à procura de outra pessoa, mas sim estarmos à procura de outra versão de nós próprios.

No mundo inteiro, há uma palavra que se ouve sempre de quem tem casos extraconjugais: elas sentem-se Vivas. Habitualmente, acompanhadas de histórias de perdas recentes [um amigo que morreu demasiado cedo; a morte de um dos pais; más notícias sobre a sua saúde]. A morte e a mortalidade vivem, normalmente, na sombra do caso extraconjugal, porque levantam questões: É só isto? Haverá mais para além disto? Vou passar os próximos 25 anos assim? Será que vou sentir aquilo outra vez? E faz-me pensar que talvez sejam estas questões que levam as pessoas a pisar o risco e que alguns casos são uma tentativa de passar a perna à mortalidade como que um antídoto para a morte. Contrariamente ao que possam pensar, ter um caso, tem menos a ver com sexo do que com desejo: desejo de atenção, desejo de nos sentirmos especiais, desejo de nos sentirmos importantes. A própria estrutura de um caso, o facto de nunca se poder ter o amante, mantém essa necessidade. Acaba por ser uma máquina de desejo, porque a incompletude, a ambiguidade, faz-nos querer o que não podemos ter. Muitas pessoas pensam que casos extraconjugais não acontecem em relações abertas, mas acontecem. Primeiro de tudo, a conversa sobre monogamia não é a mesma que a conversa sobre infidelidade. A verdade é que mesmo quando temos liberdade para ter outro parceiro sexual, parece que continuamos a ser atraídos pelo poder do que é proibido, que se fizermos o que não devíamos acabamos por sentir que estamos a fazer o que queremos.

Então como é que nos curamos de uma traição? O desejo é profundo. A traição é profunda. Mas pode ser curada. Alguns casos extraconjugais são uma sentença de morte para relações que já estavam a morrer, mas outros despertam novas possibilidades. A verdade é que a maioria dos casais que vivenciaram traições, continuam juntos. Mas alguns irão apenas sobreviver e outros conseguirão transformar essa crise numa oportunidade. Conseguirão transformá-la numa experiência geradora. Penso que, principalmente para o parceiro traído, que normalmente dirá: Achas que eu não queria mais? No entanto não fui eu quem o fez. Mas agora que a traição está exposta, eles também podem exigir mais, e já não têm que manter o status quo que podia nem estar a funcionar assim tão bem para eles.

Muitos casais, no rescaldo de um caso extraconjugal, devido à nova desordem, que pode levar a uma nova ordem, vão conseguir conversar de forma honesta e aberta como não faziam há décadas. E parceiros que estavam sexualmente indiferentes de repente sentem-se tão vorazes de luxúria, mas não sabem de onde isso vem. Algo sobre o medo da perda reacende o desejo e abre caminho para todo um novo tipo de verdade.

Portanto, quando uma traição é exposta, quais são algumas das coisas que os casais podem fazer? Sabemos que a cura começa depois do trauma, quando o infrator reconhece os seus erros. Então, para o parceiro que teve o caso, uma coisa é acabar com o caso, mas outra é o ato essencial de expressar culpa e remorsos por magoar o parceiro. Mas a verdade é que muitas pessoas que traem, podem até sentir-se muito culpadas por magoarem os seus parceiros, no entanto, não se sentem culpadas pelo caso extraconjugal em si. Essa distinção é importante. O parceiro que traiu precisa de ser o vigilante da relação. Precisa de ser, durante uns tempos, o protetor dos limites. É da sua responsabilidade falar, porque se ele pensar no assunto, pode aliviar o parceiro dessa obsessão e assegurar que o caso não foi esquecido. Isso, por si só, começa a restaurar a confiança. Mas para o parceiro traído, é essencial fazer coisas que restituam a sua autoestima, rodear-se de amor, amigos e atividades, que lhe devolvam a alegria, o sentido, a identidade. Mas ainda mais importante é controlar a curiosidade de procurar detalhes sórdidos “Onde estiveste? Onde é que o fizeste? Com que frequência? Ela/e é melhor que eu na cama?” São perguntas que apenas causam mais dor e nos mantêm acordados à noite. Em vez disso, mudem para o que chamo perguntas de investigação, as que exploram os significados e os motivos “O que é que este caso significou para ti? Foste capaz de expressar ou experienciar nele o que já não conseguias comigo? O que sentias quando chegavas a casa? O que é que valorizas na nossa relação? Agrada-te que isto tenha acabado?”

Qualquer traição vai redefinir a relação. E cada casal vai determinar qual vai ser o legado dessa traição. Mas as traições chegaram para ficar e não vão desaparecer. Os dilemas do amor e desejo não produzem respostas simples de preto e branco, de bom e mau, de vítima e infrator. A traição numa relação aparece de muitas formas. Há muitas maneiras de trair um parceiro: com desprezo, negligência, indiferença, violência. Traição sexual é apenas uma das maneiras de magoar um parceiro. Por outras palavras, a vítima de um caso nem sempre é a vítima do casamento.

Eu vejo casos extraconjugais de uma perspetiva dupla: por um lado, mágoa e traição. Por outro, crescimento e autodescoberta ­­­– o que te fez a ti, e o que significou para mim?

Quando alguém vem ter comigo no rescaldo de um caso extraconjugal que foi revelado, costumo dizer-lhe: nos tempos que correm, a maioria de nós vai ter duas ou três relações ou casamentos, e para alguns, serão com a mesma pessoa. O vosso primeiro casamento acabou. Gostariam de criar um segundo juntos?

@ Teresa Alves, Psicóloga 

A dor da perda gestacional: Um luto não autorizado

A perda gestacional é uma perda que ocorre a qualquer momento da gestação, através de aborto espontâneo ou induzido, morte de um gémeo na gestação, feto morto no útero ou durante o parto, morte prematura ou recém-nascido. A perda gestacional implica uma quebra súbita e imprevista da ligação emocional que os pais vinham a construir desde que tiveram conhecimento da gestação. Há um vínculo que é rompido, e é por isso iniciado um processo de luto, com um grande sofrimento associado. Este é um luto que traz ao casal um grande sentimento de impotência, que é sentido por ambos como uma crise, um desequilíbrio que encontram entre as dificuldades do problema a ser enfrentado e os seus recursos pessoais imediatamente indisponíveis para lidar com a situação.

O luto perinatal, à semelhança de qualquer outro tipo de luto, caracteriza-se como uma reação à quebra de um vínculo afetivo, pelo rompimento de uma relação significativa que implica a necessidade de mudança e adaptação, no caso, de se adaptar à vida sem a concretização da maternidade, que fica aqui interrompida. Mas este é também um luto quase sempre invalidado e não autorizado pela sociedade. Há uma incompreensão desta dor e de todo o conjunto de perdas secundárias que daqui advêm para o casal. Os pais veem aqui perdida também a oportunidade de exercer a parentalidade, os sonhos e projetos foram também anulados por esta perda.

O luto perinatal deve ser reconhecido e respeitado pela sociedade. É enorme o sofrimento que estes pais sentem e muitas vezes, em silêncio absoluto. Este é um dos lutos mais complexos e que tem menor validação social. Os pais sentem pouco apoio emocional, compreensão, afirmação e validação social. Invalidam-se expetativas, desejos e a própria dor. Este é um luto vivido silenciosamente, isolado, sem expressão de sentimentos, podendo chegar a tornar-se um luto complicado.

A mulher, numa sociedade em quem tem um pouco mais de espaço à expressão de sentimentos de dor, tende ficar presa na autoculpazibilização, porque se cobra justamente pela falta de investimento afetivo que acha que deveria ter tido durante a sua gestação, a sentir-se fracassada, inadequada, culpada, envergonhada e diante desta dor e perante a falta de expressão do marido, geralmente distancia-se.  Para a mãe, a construção de um vínculo com o filho precede a sua chegada, pois é daqui que emerge a vinculação com o filho. Se para a mãe há um reconhecimento do filho perdido, para as pessoas à sua volta, que a acompanham, é difícil vislumbrar o que ela perdeu. E daqui se depreende que a elaboração deste luto tem uma dinâmica muito diferente, e é de uma violência extrema para a mulher, já que a construção de vínculos afetivos fortes e a ausência da criança é profundamente contida, há a sensação para a mulher que lhe foi retirada parte do seu corpo.

Não é incomum, segundo a investigação, que este luto perinatal desmantele de alguma forma o entendimento do papel feminino, que passa a ser acompanhado pelo desprezo, sentimento de inferioridade e fracasso, inadequação e um profundo sentimento de ineficiência. É um “golpe” duríssimo para a autoestima e autoconfiança da mulher, para a sua identidade feminina. A construção do papel de mãe, esta identidade materna que foi construindo ao longo da gestação é abruptamente interrompida e a maternidade é considerada, culturalmente, uma das experiências mais marcantes do desenvolvimento da mulher.

O homem, na tentativa de não exarcebar a dor da mulher, tende a abafar a sua própria dor. Mas este homem também tinha investido emocionalmente neste papel parental, também tinha construído sonhos e planos para a chegada deste filho.  O pai vê-se chega a ver-se aqui desvalorizado, com a supervalorização da mãe, não tendo muitas vezes espaço à expressão de sentimentos. Ao pai é muitas vezes comunicado bruscamente a morte do bebé, sendo raros os momentos em que lhe é permitido expressar a dor, sendo colocado em contacto com esta realidade de uma forma pouco cuidadosa.

O casal tem de vivenciar este luto numa sociedade que procura evitar este luto, optando pela negação e racionalização. As reações das pessoas à perda deste bebé são sentidas pelos pais como desconcertantes. A morte de um filho, mesmo antes do seu nascimento, relembra o rompimento da ordem natural da vida e interrompe sonhos, esperanças, expetativas e a espera existencial, que geralmente são depositadas na criança que estava a ser gerada.

No luto, perder os pais ou um ente querido é perder o passado, mas perder um filho, mesmo que este ainda não tivesse nascido, é como se o casal perdesse o futuro. É necessário que o casal encontre o espaço, a validação e a comunicação entre si, que encontrem suporte nesta dor e na vivência deste luto. Frases como “vocês são novos, voltas a engravidar; ainda nem era um bebé, não justifica ficar assim; pensa que podia nascer com uma doença…” definitivamente não ajudam o casal. Nestas situações, parafraseando Eurípedes, “fala se tens palavras mais fortes que o silêncio, caso contrário, guarda silêncio”. Por vezes, poderá ser só isso que o casal precisa, sentir o apoio e conforto de amigos e familiares, mesmo que em silêncio.

O luto perinatal é uma perda não plenamente reconhecida, que não é abertamente apresentada e muito menos socialmente validada. A psicologia entende que para elaborar esta dor é necessário que ela seja verbalizada, vivida, sentida, refletida e elaborada, não negada.