A dor da perda gestacional: Um luto não autorizado

A perda gestacional é uma perda que ocorre a qualquer momento da gestação, através de aborto espontâneo ou induzido, morte de um gémeo na gestação, feto morto no útero ou durante o parto, morte prematura ou recém-nascido. A perda gestacional implica uma quebra súbita e imprevista da ligação emocional que os pais vinham a construir desde que tiveram conhecimento da gestação. Há um vínculo que é rompido, e é por isso iniciado um processo de luto, com um grande sofrimento associado. Este é um luto que traz ao casal um grande sentimento de impotência, que é sentido por ambos como uma crise, um desequilíbrio que encontram entre as dificuldades do problema a ser enfrentado e os seus recursos pessoais imediatamente indisponíveis para lidar com a situação.

O luto perinatal, à semelhança de qualquer outro tipo de luto, caracteriza-se como uma reação à quebra de um vínculo afetivo, pelo rompimento de uma relação significativa que implica a necessidade de mudança e adaptação, no caso, de se adaptar à vida sem a concretização da maternidade, que fica aqui interrompida. Mas este é também um luto quase sempre invalidado e não autorizado pela sociedade. Há uma incompreensão desta dor e de todo o conjunto de perdas secundárias que daqui advêm para o casal. Os pais veem aqui perdida também a oportunidade de exercer a parentalidade, os sonhos e projetos foram também anulados por esta perda.

O luto perinatal deve ser reconhecido e respeitado pela sociedade. É enorme o sofrimento que estes pais sentem e muitas vezes, em silêncio absoluto. Este é um dos lutos mais complexos e que tem menor validação social. Os pais sentem pouco apoio emocional, compreensão, afirmação e validação social. Invalidam-se expetativas, desejos e a própria dor. Este é um luto vivido silenciosamente, isolado, sem expressão de sentimentos, podendo chegar a tornar-se um luto complicado.

A mulher, numa sociedade em quem tem um pouco mais de espaço à expressão de sentimentos de dor, tende ficar presa na autoculpazibilização, porque se cobra justamente pela falta de investimento afetivo que acha que deveria ter tido durante a sua gestação, a sentir-se fracassada, inadequada, culpada, envergonhada e diante desta dor e perante a falta de expressão do marido, geralmente distancia-se.  Para a mãe, a construção de um vínculo com o filho precede a sua chegada, pois é daqui que emerge a vinculação com o filho. Se para a mãe há um reconhecimento do filho perdido, para as pessoas à sua volta, que a acompanham, é difícil vislumbrar o que ela perdeu. E daqui se depreende que a elaboração deste luto tem uma dinâmica muito diferente, e é de uma violência extrema para a mulher, já que a construção de vínculos afetivos fortes e a ausência da criança é profundamente contida, há a sensação para a mulher que lhe foi retirada parte do seu corpo.

Não é incomum, segundo a investigação, que este luto perinatal desmantele de alguma forma o entendimento do papel feminino, que passa a ser acompanhado pelo desprezo, sentimento de inferioridade e fracasso, inadequação e um profundo sentimento de ineficiência. É um “golpe” duríssimo para a autoestima e autoconfiança da mulher, para a sua identidade feminina. A construção do papel de mãe, esta identidade materna que foi construindo ao longo da gestação é abruptamente interrompida e a maternidade é considerada, culturalmente, uma das experiências mais marcantes do desenvolvimento da mulher.

O homem, na tentativa de não exarcebar a dor da mulher, tende a abafar a sua própria dor. Mas este homem também tinha investido emocionalmente neste papel parental, também tinha construído sonhos e planos para a chegada deste filho.  O pai vê-se chega a ver-se aqui desvalorizado, com a supervalorização da mãe, não tendo muitas vezes espaço à expressão de sentimentos. Ao pai é muitas vezes comunicado bruscamente a morte do bebé, sendo raros os momentos em que lhe é permitido expressar a dor, sendo colocado em contacto com esta realidade de uma forma pouco cuidadosa.

O casal tem de vivenciar este luto numa sociedade que procura evitar este luto, optando pela negação e racionalização. As reações das pessoas à perda deste bebé são sentidas pelos pais como desconcertantes. A morte de um filho, mesmo antes do seu nascimento, relembra o rompimento da ordem natural da vida e interrompe sonhos, esperanças, expetativas e a espera existencial, que geralmente são depositadas na criança que estava a ser gerada.

No luto, perder os pais ou um ente querido é perder o passado, mas perder um filho, mesmo que este ainda não tivesse nascido, é como se o casal perdesse o futuro. É necessário que o casal encontre o espaço, a validação e a comunicação entre si, que encontrem suporte nesta dor e na vivência deste luto. Frases como “vocês são novos, voltas a engravidar; ainda nem era um bebé, não justifica ficar assim; pensa que podia nascer com uma doença…” definitivamente não ajudam o casal. Nestas situações, parafraseando Eurípedes, “fala se tens palavras mais fortes que o silêncio, caso contrário, guarda silêncio”. Por vezes, poderá ser só isso que o casal precisa, sentir o apoio e conforto de amigos e familiares, mesmo que em silêncio.

O luto perinatal é uma perda não plenamente reconhecida, que não é abertamente apresentada e muito menos socialmente validada. A psicologia entende que para elaborar esta dor é necessário que ela seja verbalizada, vivida, sentida, refletida e elaborada, não negada.

A vinculação nas relações amorosas

A necessidade de pertença inicia-se e não se extingue na infância. Esta necessidade de pertença, de relacionamento apresenta-se como essencial para o bem-estar físico e psicológico ao longo de todo o percurso de vida. Desde o nascimento que são formados vínculos com outros significativos. É de resto, uma questão de sobrevivência aquando do nascimento, a vinculação e a dependência de terceiros por um longo período da vida.  A vinculação estabelece-se desde muito cedo, no início do desenvolvimento e regra geral, esta é feita com o cuidador primário. Esta relação é determinante, na medida em que nos fornece a estrutura cognitiva de como vamos perceber e interagir com o mundo após a primeira infância.

Há um critério que não está presente, necessariamente, em outros vínculos afetivos, que é a experiência de segurança e conforto obtidos no relacionamento com o parceiro e ainda a capacidade de se deslocar da base segura fornecida pelo parceiro, com confiança para se envolver em outras atividades.

O conceito de vínculo afetivo é concebido como um laço relativamente longo em que o parceiro é importante enquanto indivíduo único e insubstituível. Perante um vínculo afetivo há um desejo em manter a proximidade com o parceiro. E embora esta proximidade possa, até certo ponto, ter continuidade ao longo do tempo e distância, há pelo menos um desejo intermitente de restabelecer proximidade e interação, existindo prazer aquando da união e cuja separação inexplicável provoca angústia e a perda permanente, muita dor.  Vinculação é um vínculo ativo e portanto, uma figura de vinculação nunca é totalmente substituível, mesmo encontrando-se o mesmo em outras figuras. Na vinculação, como nos laços afetivos, há uma necessidade de manter a proximidade, há angustia na separação inexplicável, prazer e alegria na união e sofrimento na perda. Contudo, há um critério que não está presente, necessariamente, em outros vínculos afetivos, que é a experiência de segurança e conforto obtidos no relacionamento com o parceiro e ainda a capacidade de se deslocar da base segura fornecida pelo parceiro com confiança, para se envolver em outras atividades.

É esta capacidade dos seres humanos de formar modelos representativos dos outros e de si próprios, que lhes permite sustentar um vínculo entre o tempo e a distância, no entanto, isso não nos permite perceber porque alguns relacionamentos alcançam essa qualidade transcendente e outros não. A este propósito, a vinculação poderia ser melhor explicada pela forma como os indivíduos se percebem a si próprios e aos outros nas suas relações. Esta visão, integra o trabalho realizado sobre a vinculação adulta, baseando-se ainda nas conceções de Bowlby, de que diferentes modelos de funcionamento interno podem ajudar a compreender diferentes visões do próprio e dos outros nos relacionamentos. Com isso, emergiram quatro protótipos na base da visão positiva e negativa do indivíduo sobre si próprio e sobre os outros nos seus relacionamentos. Os indivíduos seguros, aqueles que têm uma visão positiva de si e dos outros e que geralmente têm uma elevada autoestima e confiança nos outros; os indivíduos preocupados, que se caracterizam por uma visão negativa de si e uma visão positiva dos outros, o que os leva a uma elevada dependência de terceiros; os amedrontados, que apresentam uma imagem negativa de si e dos outros e são encarados como indivíduos que temem relacionamentos íntimos e evitam contactos sociais, pela dificuldade que apresentam em confiar nos outros ou de depender deles e os indivíduos desinvestidos, os quais se sentem confortáveis sem relacionamentos próximos, sendo muito importante para estes indivíduos sentirem-se independentes e autossuficientes e preferem não depender de outros, nem ter terceiros a depender de si.

A teoria da vinculação, desenvolvida por Bowlby, destacou o sistema comportamental, o qual é parte fundamental de várias espécies e que engloba os comportamentos reprodutivo, parental, alimentação, exploração. Este manifesta-se por um comportamento cujo resultado previsível é o de manter o indivíduo próximo de outros significativos. Tal como outros sistemas comportamentais básicos, acredita-se que a vinculação é resultado de um processo de seleção natural porque se traduziu numa forma de sobrevivência ao oferecer proteção.

Nos vínculos com o par romântico/sexual, são três os sistemas básicos envolvidos nas ligações desta natureza: o reprodutivo, o de vinculação e o de cuidado. Este último, está envolvido de duas formas, dar atenção ao parceiro e compartilhar com o parceiro o cuidado aos mais novos. O vínculo com o par sexual não é característico em todas as espécies, pois o sistema reprodutivo pode atingir o seu resultado funcional sem um vinculo duradouro entre os parceiros. Nas espécies onde esta ligação dos pares ocorre, o sistema de cuidado está inerente, geralmente com o ser masculino preocupado com o cuidado, através da proteção. No caso dos humanos, é óbvio que o acasalamento pode ocorrer sem que haja a formação de um vínculo, contudo, são várias as sociedades humanas que tendem a promover vínculos duradouros através de costumes como o casamento, sejam elas monogâmicas ou poligâmicas. No curso de uma relação sexual de longo prazo, seja no casamento habitual ou não, o apego de um parceiro ao outro também tende a ser construído e os componentes de vinculação e de cuidado interagem entre si por forma a criar um relacionamento recíproco. Normalmente, e dependendo das ocasiões, parece que um é mais forte e mais sábio, e o outro responde, fornecendo cuidados, conforto e tranquilidade, promovendo sentimentos de segurança. Embora a atração sexual possa ser a componente mais importante no início de um relacionamento, o que é facto é que as relações que dependem inteiramente desta componente sexual tendem a ser pouco duradouras. À medida que o relacionamento persiste, o cuidado, o vínculo, tornar-se-ão mais importantes e tendem a manter-se vinculados mesmo quando o interesse sexual diminui. Mesmo após existir uma rutura ou separação do casal, o vínculo, sendo duradouro, persiste, mesmo quando a separação foi muito desejada, existindo uma tendência para o sentimento da solidão. Alguns autores concetualizam o amor romântico como um processo de vinculação e encontraram uma relação entre o modelo de funcionamento interno e os estilos de vinculação numa relação romântica, pessoas com diferentes estilos de vinculação possuem diferentes crenças sobre o curso do amor romântico e o seu amor próprio. Essas mesmas crenças podem fazer parte de um ciclo (vicioso no caso de indivíduos inseguros), onde a experiência afeta as crenças sobre si próprio e o sobre o próprio relacionamento.

Tal como outros sistemas comportamentais básicos, acredita-se que a vinculação é resultado de um processo de seleção natural porque se traduziu numa forma de sobrevivência ao oferecer proteção.

Em algumas relações os componentes de cuidado e de vinculação podem não ser simétricos e recíprocos, mas de alguma forma complementares e alguns podem assemelhar-se à relação pai e filho, em que um parceiro é essencialmente a criança que busca proteção e cuidado do outro, que é encarado como mais forte e mais sábio. Essas relações, embora não idealmente seguras, podem, no entanto, ser duradouras. Em muitas relações, existem outras componentes além destas três fundamentais de base biológica, em que os cônjuges podem ser parceiros profissionais ou de negócios ou podem gastar mais tempo do que o habitual juntos porque compartilham os mesmos interesses e atividades de lazer,  as quais podem ou não contribuir para a sua persistência ao longo do tempo.

As carências emocionais por trás da ingratidão

Pessoas que se dedicam aos outros e recebem como resposta alguns gestos de  ingratidão, tendem a apresentar um elevado sofrimento,  estados de raiva, culpa, tristeza, frustração, chegando a sentir-se incompetentes e responsáveis pelas falhas nas suas relações sociais.

Já se terá deparado, ao longo da sua vida, com atitudes menos amáveis por parte de alguém a quem teve a perceção de ter ajudado. É verdade que algumas pessoas são incapazes de demonstrar um mínimo gesto de agradecimento, amabilidade ou até de respeito por aqueles que de alguma forma se esforçaram por elas. É verdade também que não deveríamos esperar que os outros se mostrem agradecidos por qualquer gesto nosso, se ele foi feito de uma forma desinteressada. Mas de alguma forma, essa acaba por ser a nossa expetativa, e em sentido contrário, surge a frustração e a revolta, o desejo de vingança. Todos aqueles sentimentos destrutivos.

A ingratidão é um comportamento que gera um elevado desconforto a quem o sente, e longe de ser algo isolado, é com alguma frequência, que muitas pessoas se vão deparando com esta atitude, por vezes envolvida até na hostilidade, no seu dia-a-dia. Esta é sempre um posição incómoda e dolorosa para quem a sente.  Esta dinâmica nas relações tende ainda a gerar sentimentos de culpa, levando a um questionamento da pessoa sobre o porque de ter feito algo pelo outro. Mas talvez a culpa deva ser uma emoção a abandonar, quando procura entender algo muito simples: o problema não está em si. Com a ingratidão invalidam-se palavras, gestos e esforços de pessoas significativas à nossa volta. Pessoas que não valorizam, perdem, e a seu tempo, de forma inevitável, haverá um desinvestimento na relação e arriscam receber aquilo que eles próprios projetam, desconfiança, afastamento e hostilidade. 

Não permita que a ingratidão abale a sua estrutura, que destrua a sua capacidade de continuar a amar e a construir relações saudáveis.

Alguns estudos indicam uma série de carências, emocionais e sociais, que poderão estar na base destas dificuldades.

Quando falamos de um «estado», encontramos algumas fases de vida, em que a pessoa pode estar menos recetiva e menos disponível para receber gestos dos outros e por isso, não os aprecia e/ou valoriza. Quadros de depressão, estar num período de luto, estar a passar uma fase mais complexa, podem justificar esta postura temporária. Quando estamos perante uma «característica», então estaremos perante um comportamento  mais estável  e permanente. E aqui a carência poderá situar-se mais ao nível de certos padrões de personalidade, da falta de habilidades interpessoais, da própria cultura e padrões educacionais onde a pessoa se desenvolveu ou se insere, assim como as suas crenças e convicções, onde um padrão de amabilidade ou comportamento pró-sociais não são tão usuais ou considerados,  um défice relacional, baixa empatia, em que a pessoa que recebe determinados gestos usa uma lente diferente daquela que dá. Pessoas pouco empáticas analisam a situação com um maior distanciamento e frieza e possuem uma menor  Inteligência Emocional. Não alcançam a capacidade de apreciar, e receber gestos ou algum tipo de ajuda. Elas simplesmente esperam isso dos outros, algo que pode atingir estados mais disfuncionais ou até mesmo patológicos.

Embora este seja um comportamento passível de ser melhorado, cabe apenas a cada pessoa esta tomada de decisão e interesse na sua própria mudança. Aos outros, cabe apenas a decisão de continuar ou não a dirigir gestos de atenção a essa pessoa, com consciência de eventuais desconfortos gerados, avaliando o que a faz sentir. Com a certeza, porém, de que sendo um comportamento com o qual não se identifica, não terá de o replicar ou manter na sua vida relações que não lhe proporcionam conforto ou reciprocidade.  A quem sente esta dificuldade, é importante ter presente que comportamentos não reforçados, acabam por se extinguir.

Relação terapêutica: O veículo para a mudança

Iniciar um processo terapêutico é ainda um desafio para muitas pessoas. Uma das formas mais efetivas para superar esta resistência inicial poderá ser o investimento na relação terapêutica. Esta relação vai sendo construída ao longo de todo o processo, mas que é definida desde o primeiro contacto, se o paciente tem desde a primeira sessão uma experiência positiva com o terapeuta. A relação terapêutica constitui-se uma componente primária do processo. É a partir desta relação (bem conseguida) que o paciente se sentirá confortável o suficiente para uma narrativa mais completa, pois esta favorece um maior compromisso e envolvimento com a terapia e superação de eventual resistência inicial. Fatores como sentir-se acolhido, respeitado, ser recebido com escuta ativa, atenção, competência e empatia, sentir-se respeitado nos seus silêncios e palavras, são indicadores de uma relação segura e é a partir deste vínculo que a mudança se pode efetivar.

Também o reconhecimento deste fator, por parte do terapeuta, é preponderante para uma condução mais eficaz do processo. A produção de espaço de trocas, fala e escuta, de cumplicidades e responsabilidades, de vínculos e aceitações, são frutos de um trabalho clinicamente implicado. Com frequência, o paciente faz relatos nunca antes partilhados no seu circulo pessoal. E se alguns apresentam facilidade desde um primeiro contacto, o contrário também pode acontecer e podem levar algumas sessões até que consigam expor determinadas experiências, queixas ou dificuldades. E é por tudo isto que as primeiras sessões são muito centradas nestes alicerces, confiança, segurança e confidencialidade. São estas bases que uma vez consolidadas, permitem um ambiente seguro, estando facilitada a intervenção.

Uma relação terapêutica bem estabelecida é aquela que deixa implícito algo muito interessante: a importância da participação ativa do cliente na terapia e no seu próprio processo. O terapeuta por sua vez, tem o papel de favorecer o desenvolvimento do processo individual, permitindo que este aconteça. E é essa relação que se estabelecerá que será vista como um esforço colaborativo entre terapeuta e paciente. É este o meio através do qual são facilitados os principais aspetos de mudança.